Pular para o conteúdo principal

Os sistemas, a ciência e a física quântica


Para ACKOFF (1959) apud Bertalanffy (1975, p. 25) existe uma tendência de estudar os sistemas como entidade e não como um aglomerado de partes. Isto está de acordo com a tendência da ciência que não isola mais os fenômenos em contextos confinados, mas abre-se ao exame das interações de forma a investigar setores da natureza cada vez maiores. Segundo Capra (1996, p.53) antes da década de 40, os termos “sistema” e “pensamento sistêmico” haviam sido utilizados por vários cientistas, “mas foram as concepções de Bertalanffy de um sistema aberto e de uma teoria geral dos sistemas que estabeleceram o pensamento sistêmico como um movimento científico de primeira grandeza”. A possibilidade de ver o conceito sistêmico como ciência é a descoberta de que o conhecimento é aproximado. Esta conclusão é de importância decisiva para a ciência moderna. No antigo paradigma, havia crença na certeza absoluta do conhecimento científico, no novo, é reconhecido que todas as teorias são limitadas e aproximadas, pois a ciência nunca pode dar uma compreensão completa e definitiva (CAPRA, 1996, p. 49). Este pensamento vai de encontro com o princípio da incerteza de Heisenberg (2005), que se aprofundou nas teorias da mecânica quântica que já vinham sendo definidas por outros físicos como Einstein, Dirac, Rutherford, Planck e Bohr.

Nesta época, um físico austríaco chamado Erwin Schrödinger percebeu que quando um átomo passava de um estado estacionário para outro, não se dizia mais que ele alterava subitamente sua energia e radiava a diferença sobre forma de quanta, conforme a teoria da mecânica quântica. Para ele, a radiação resultava de um processo diferente, que era da excitação simultânea de duas oscilações materiais estacionários onde a interferência originava a emissão de ondas eletromagnéticas, conforme a teoria da mecânica ondulatória (HEISENBERG, 2005, p. 89). A partir dessas teorias, Heisenberg (2005) passou a estudar e discutir o comportamento e a trajetória dos elétrons em conjunto com Bohr com a finalidade de resolver o conflito entre a mecânica quântica e a mecânica ondulatória. Em seguida, surgiram as primeiras idéias sobre o princípio da incerteza de Heisenberg, a partir de uma frase que Einstein havia lhe dito a alguns anos atrás: “É a teoria que decide o que podemos observar” (HEISENBERG, 2005, p. 96). Ambas as teorias foram embasadas no princípio de que o comportamento dos elétrons de um átomo parece como partícula em uma ocasião e como onda em outra. Por isto, tanto para Bohr quanto para Heisenberg (2005), a física quântica passava a ter um caráter estatístico devido ao comportamento variado dos elétrons. Para Heisenberg (2005, p. 124) “não podemos fazer observações sem perturbar os fenômenos; os efeitos quânticos que introduzimos com nossa observação instauram, automaticamente, um grau de incerteza nos fenômenos a serem observados”. Isto é, a observação do comportamento dos fenômenos acaba por influenciá-los, principalmente porque são necessários instrumentos de medição que alteram o comportamento do que esta sendo medido. Bohr (2008) considera o desenvolvimento de Heisenberg e coloca que a medida da posição de um elétron por meio de um aparelho, como por exemplo, um microscópio que utilize radiação de alta freqüência, irá realizar troca de energia entre o elétron e o instrumento de medida, que será tão maior quanto mais exata for a medida da posição que se deseja obter (BOHR, 2008, p. 49).

Heisenberg (2005) menciona que, inicialmente, sua teoria não foi aceita pelos principais físicos da época, incluindo Einstein que rejeitava o caráter estatístico do princípio da incerteza. De acordo com Heisenberg (2005, p. 98) ele costumava dizer que “Deus não joga dados” e era retrucado por Niels Bohr com as palavras “não deve ser tarefa nossa prescrever a Deus como Ele deve reger o mundo”. Einstein acreditava que no mundo dos processos físicos, “tudo tem lugar no espaço e no tempo”, “de acordo com leis exatas”. Mais tarde, Einstein acabou por ceder e aceitar a teoria de Heisenberg.

O próprio Einstein (1981, p. 65) disse que “num modelo teórico temos de abandonar absolutamente a idéia de poder localizar rigorosamente as partículas. Penso que esta conclusão se impõe com o resultado duradouro da relação de incerteza de Heisenberg”. Para Heisenberg (2005), quanto mais descemos nas cadeiais sistêmicas, como por exemplo, o comportamento dos elétrons de um átomo, mais incertas as coisas são. Para ilustrar a idéia, pode-se citar a mecânica de Newton, que é precisa para muitos fenômenos da natureza, porém, imprecisa para fenômenos subatômicos. De qualquer forma, a mecânica de Newton não pode ser aperfeiçoada sob nenhum aspecto, pois ao descrever um determinado fenômeno com o uso da física newtoniana (posição, velocidade, aceleração, massa, força, etc.) as leis se aplicam com totalidade. Mais precisamente, as leis de Newton são válidas enquanto os fenômenos possam ser descritos com exatidão. O fato já conhecido é que esta exatidão possui limites – nunca houve afirmação que é possível fazer medições em todo e qualquer grau de precisão. A exatidão das medições é limitada por princípio, isto é, por relações de incerteza (HEISENBERG, 2005, p. 116).

Nas mesmas discussões entre Bohr e Heisenberg também surgiram às primeiras idéias do princípio da complementaridade, onde, nas palavras de Heisenberg (2005, p. 94): “Bohr tentava admitir a existência simultânea de partículas e ondas, afirmando que, embora os dois conceitos fossem mutuamente excludentes, ambos eram necessários para uma descrição completa dos processos atômicos”. Para Heisenberg (2005) era central do pensamento de Bohr o fato de que um acontecimento pode ser interpretado por dois modos distintos, ambos excludentes, porém complementares. E é somente pela justaposição dos modos que o conteúdo perceptivo revela sua plenitude (HEISENBERG, 2005, p. 97).


Figura - Ying Yang - Os opostos são complementares


Para Capra (1996, p. 41) “as partículas subatômicas não tem significado enquanto entidades isoladas, mas podem ser entendidas somente como interconexões, ou correlações entre vários processos de observação e medida”. O autor explica que “as partículas não são coisas, mas interconexões entre coisas, e estas, por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim por diante”. Com este pensamento pode-se observar, segundo Capra (1996, p. 41) que “é dessa maneira que a física quântica mostra que não podemos decompor o mundo em unidades elementares que existem de maneira independente”. De acordo com HEISENBERG apud Capra (1996, p. 41) “O mundo aparece assim como um complicado tecido de eventos, no qual conexões de diferentes tipos se alternam se sobrepõem ou se combinam e, por meio disso, determinam a textura do todo”. Bertalanffy (1975, p. 301) completa que “o rigoroso determinismo da física clássica é substituído na física quântica pelo indeterminismo, ou antes, pela noção de que as leis da natureza são essencialmente de caráter estatístico”.



BOHR, Niels. Física Atômica e Conhecimento Humano. (Ensaios: 1932-1957). Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. 129p.


BERTALANFFY, Ludwig V. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 1975. 351p.

CAPRA, Fritjof. As Conexões Ocultas. São Paulo: Cultrix, 2002. 296p.

__________. A Teia da Vida. São Paulo: Cultrix, 1996. 255p.

EINSTEIN, Albert. Como Vejo o Mundo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981. 213p.

HEISENBERG, Werner. A parte e o todo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. 286p.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A Cibernética

  Para Mariotti (2007, p. 85) “’Cibernética’ vem do grego kibernetik , que significa ‘navegador’ ou ‘piloto’. Relaciona-se à expressão latina gubernador , e daí vem governor em inglês e ‘governador’ em português”. Para Capra (1996, p. 56) “a palavra deriva do grego kybernetes (‘timoneiro [1] ’), e Wiener [2] definiu a cibernética como a ciência do ‘controle e da comunicação no animal e na máquina’”. O sentido atual da cibernética, dado por Wiener “é a arte da comunicação e do controle dos seres humanos, máquina e animais”, podendo ser definida como “a ciência dos sistemas de controle”. Estes sistemas se auto-regulam e se auto-organizam, sendo capazes de se adaptarem às mudanças do meio em que estão permitindo manterem-se estáveis diante das variações (MARIOTTI, 2007, p. 85). Para Bertalanffy (1975, p. 41) “a cibernética é uma teoria dos sistemas de controle baseada na comunicação (transferência de informação) entre o sistema e o meio e dentro do sistema, e do controle (retroaçã...

Os círculos de causalidade

A tendência humana a respeito da realidade é enxergar as coisas com visão linear e não como estruturas de realimentação circular como acontecem em grande parte dos sistemas. Isto acontece, pois a percepção deriva da linguagem, que com sua estrutura sujeito-verbo-objeto favorece a visão linear [1] . Para que os inter-relacionamentos dos sistemas como um todo sejam visíveis é necessário que se faça uso de uma linguagem compatível, feita de círculos. Sem esta linguagem há apenas visões fragmentadas e ações contraproducentes. No pensamento linear, dizemos: “Estou enchendo um copo de água”. Isto parece muito simples para ser um sistema, mas há como pensar além do usual. A Figura 1 - Causalidade - Ponto de vista linear ilustra como a maioria das pessoas pensa (SENGE, 2002, p. 104). Figura 1 - Causalidade - Ponto de vista linear Na realidade observar um copo de água encher constitui um sistema circular, pois monitora-se o nível da água subir. Conforme o nível de água aumenta, percebe-s...