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O conhecimento do observador sobre o sistema observado

Segundo Heisenberg (2005, p. 127) a percepção teórica do sistema observado varia de acordo com o conhecimento do observador. Maturana & Varela (1995, p. 34) enfatizam que “uma explicação é sempre uma proposição que reformula ou recria as observações de um fenômeno, num sistema de conceitos aceitáveis para um grupo de pessoas que compartilham um critério de validação”. Para Heisenberg o desenvolvimento da ciência modifica o pensamento do homem ao passar do tempo, principalmente nos últimos dois séculos[1]. Assim, os princípios éticos aceitáveis podem sofrer mudanças assim como os valores da sociedade e o entendimento científico da realidade (HEISENBERG, 2005, p. 102). A ciência é uma visão do lado objetivo da realidade, ao contrário da fé religiosa, que é a expressão das decisões subjetivas que ajudam a escolher os valores que guiam as ações. De um modo geral, as decisões são tomadas de acordo com a comunidade a qual se pertence, seja a família, o país ou o meio social, onde a maior parte dessa influência origina-se na educação e no meio circundante (HEISENBERG, 2005, p. 102).

Fica claro que a percepção da realidade é alterada conforme os valores do meio em que se vive, sejam estes em termos científicos, religiosos ou sociais. Por exemplo, os princípios da incerteza (Heisenberg) e da complementaridade (Bohr) nasceram através de discussões científicas da época, do pressuposto que o átomo comportava-se como partícula e também como onda. De acordo com Heisenberg (2005) para alguns físicos, principalmente para Schrödinger, somente a idéia do comportamento de onda era aceitável, enquanto para outros, como Bohr e Heisenberg, a idéia do comportamento de partícula prevalecia, pois o fenômeno podia ser observado. As teorias foram discutidas, até que Bohr percebeu que ambas existiam e eram complementares (HEISENBERG, 2005, p. 95). A própria palavra “fenômeno”, em seu sentido amplo, já sofreu discussões. Para Heisenberg (2005, p. 124) Bohr considerava inexatas e enganosas as afirmações do tipo “a observação perturba o fenômeno”[2], pois a palavra “fenômeno” não poderia ser aplicadas aos processos atômicos, a menos que o arranjo experimental também fosse explicado. De acordo com Bohr (2008) a grande diferença da física clássica para a física quântica no que diz respeito a análise dos fenômenos, é que na primeira, a interação dos instrumentos de medida pode ser desprezada ou compensada, enquanto que, na segunda, essa interação é parte integrante do fenômeno (BOHR, 2008, p. 91). Pode-se dizer de acordo com a bibliografia (Bohr, Heisenberg) que no mundo da física quântica a observação e o conhecimento do observador fazem parte do fenômeno. No caso da física clássica, a influência da observação pode ser desprezada, pois as aproximações do conhecimento são suficientemente adequadas à nossa necessidade.

O relacionamento do pensamento com a realidade que o representa não é apenas uma mera correspondência. É muito mais complexo, pois no campo da pesquisa científica, grande parte do pensamento é apresentado em forma de teorias (BOHM, 2008, p. 19). Bohm explica que a palavra “teoria” deriva do grego theoria que encontra a mesma raiz em “teatro”, que significa “ver” ou “fazer um espetáculo” (BOHM, 2008, p. 19). Desta forma, teoria é uma forma de visão, uma maneira de olhar o mundo, e não o conhecimento de como o mundo é. Para Bohm (2008, p. 21) “quando olhamos para o mundo através das nossas visões teóricas, o conhecimento concreto que obtemos será evidentemente moldado e formatado de acordo com nossas teorias”. Ou seja, o conhecimento teórico da humanidade acaba por influenciar a percepção da “realidade como ela é”. Heisenberg completa que “a própria estrutura do pensamento humano se modifica ao longo do desenvolvimento histórico”. Existe progresso por parte da ciência, “não apenas por ajudar a explicar os fatos recém-descobertos, mas também por nos ensinar, reiteradamente, o que pode significar a palavra ‘compreensão’” (HEISENBERG, 2005, p. 147). Até os processos criados pelo homem são complexos o suficiente para serem conhecidos (em sentido total). Por exemplo, “a economia teórica é um sistema altamente desenvolvido, que apresenta modelos complexos para os processos que trata”. Isto não significa que os conhecedores de economia, em regra geral, são milionários. “Noutras palavras, podem explicar os fenômenos econômicos ‘em princípio’, mas são incapazes de predizer as flutuações da bolsa com respeito a certas ações ou datas” (BERTALANFFY, 1975, p. 60).


[1] Heisenberg referia-se aos séculos IX e XX.

[2] Parte do princípio da incerteza de Heisenberg

BOHM, David. Totalidade e a Ordem Implicada. São Paulo: Madras, 2008. 222p.

BOHR, Niels. Física Atômica e Conhecimento Humano. (Ensaios: 1932-1957). Rio de Janeiro: Contraponto, 2008. 129p.

BERTALANFFY, Ludwig V. Teoria Geral dos Sistemas. Petrópolis: Vozes, 1975. 351p.

HEISENBERG, Werner. A parte e o todo. Rio de Janeiro: Contraponto, 2005. 286p.

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